Reflexões a respeito das experiências no atelier
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Ao longo destes últimos dez anos no interior de alguns ateliers, onde são ministrados as disciplinas de Projeto, o uso da maquete como instrumento do processo de elaboração do projeto de arquitetura vem sendo introduzido. Trata-se de um processo ainda em curso, já que o número de professores que adotam este procedimento ainda não se estabilizou, havendo a cada semestre novas adesões.<br />
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No entanto, uma avaliação preliminar se faz necessária, mesmo porque também devemos conhecer os limites deste instrumento. Além disto, é possível desde já vislumbrar que há uma relação entre o instrumento e o produto, ou seja, a que arquitetura a maquete serve, ou ainda, que arquitetura o uso da maquete engendra?<br />
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O presente texto não tem a pretensão de responder tais questões, mas apenas lançar algumas pistas tendo como suporte as diferentes experiências de ateliers.<br />
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Cabe também sugerir a adoção (provisória) de um outro nome para tal instrumento: MOCK UP. O termo maquete é usualmente compreendido como uma representação daquilo que já foi concebido, elaborado e definido, isto é, ele se encontra no fim do processo. Enquanto mock up se insere no próprio processo como um instrumento do pensar.<br />
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A indeterminação e o acaso no uso do mock up<br />
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Não vamos aqui nos deter no modo perverso como é concebido os cursos de Arquitetura e Urbanismo, mas certamente o fato de ser estruturado em disciplinas desde já se constitui num foco de problemas. O próprio nome disciplina de per si está em contradição com o ato criativo, isto é, criar num território disciplinado é no mínimo um contrasenso. Aliás, tal estruturação foi se tornando mais necessária na medida em que a responsabilidade do ensino foi sendo transferida da esfera pública para a privada. O conhecimento torna-se então quantificável para ser intercambiável. Reduz-se a condição de valor de troca. Não por acaso a medida padrão chama-se crédito.<br />
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Também não cabe aqui desenvolver o texto perseguindo as conseqüências de um ensino que opera à margem da experiência como é o caso do agora designado como fundamental e médio. No entanto, elaborar uma estratégia pedagógica sem levar em conta que o estudante brasileiro desde cedo esteve submetido a um processo onde lhe foi proporcionado a informação no lugar da formação, o adestramento no lugar do conhecimento, a assistência no lugar da vivência, tal estratégia certamente ficará apenas no plano do desejo.<br />
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Assim, embora possamos arrolar uma série de outros fatores, apenas estes dois acima citados são suficientes para pintar um quadro sobre o qual se desdobra a relação ensino/aprendizagem onde ...abre-se o espaço para o acaso, para aquilo que é outro, alterados pelo objeto que manipulamos. (1)<br />
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Fayga Ostrower relata que num de seus trabalhos a tinta é derramada no chão acidentalmente, mas ao cotejar o resultado do acidente e o que fazia sobre a mesa, decide continuar o que o acaso configurou. Mesmo sem a desenvoltura e despojamento da artista, é deste acaso (esperamos) que referem os professores Denise M. Bahia e Fernando L.. C. Lara, quando propõem o uso do mock up no processo de projetação.<br />
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Além disso, quando estes mesmos autores afirmam que, ...A partir do desenho como um corte, necessário para melhor domínio do volume e transmissor de informações a respeito do objeto a ser construído, desenvolve-se a abstração da redução do espaço em vários planos a serem posteriormente combinados. Mas, como todo corte, essa abstração arquitetônica traz junto um resíduo, uma perda ...nós acrescentaríamos que, o processo do mock up opera no eixo da similaridade, do discurso não verbal, do analógico, enquanto que o processo do desenho arquitetônico opera no eixo da contiguidade, isto é, no do lógico. Aliás, a própria disposição de um projeto arquitetônico é seqüencial e, por conseguinte, nós o lemos tal como a um livro. É o que nos permite afirmar que a concepção de um projeto pode e deve operar no primeiro eixo e seu desdobramento necessariamente no outro.<br />
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Ao operar nas duas situações sobre o segundo eixo surge então uma outra questão: é a do controle. O uso exclusivo da bidimensionalidade do desenho arquitetônico (plantas, cortes e fachadas) não deixa espaço para as zonas de sombreamento, o que, aliás, vem sendo potencializado com o uso da informática. São desenhos que exigem uma clarificação imediata, sem concessões ao indeterminado. Não seria este o processo que engendra aquela arquitetura que F. Jameson refere-se como a da espacialidade pura? O controle que o autor exerce sobre o seu fazer reverbera sobre a obra, numa cadeia que passa antes pelo desenho: da mesma maneira que este se escancara para o autor, a arquitetura se revela imediatamente, prescindindo, portanto, do tempo.<br />
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Não fosse a experiência nos ateliers de ensino de projeto arquitetônico certamente estas reflexões não seriam possíveis, por outro lado, temos a presunção de afirmar que as mesmas podem ser válidas para o processo da produção concreta desta mesma arquitetura que vem desenhando as nossas cidades. Mas procuraremos nos deter apenas na esfera do ensino.<br />
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O mock up e o atelier de ensino<br />
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É preciso deixar assinalado que mesmo na esfera desta nossa escola de Arquitetura e Urbanismo da UFSC ainda não se fez uma avaliação quanto ao uso do mock up no ensino de projeto, assim, qualquer apreciação dos resultados são bastante parciais. Mas isto não impede de verificar que seu uso por diferentes professores, em situações, temas e escalas diferentes, tem apontado caminhos não só diversificados mas até inesperados resultados, para serem, por sua vez, reinterpretados e reutilizados coletivamente. Assim, alguns enfatizam o desempenho ilumínico ou térmico, outros estudam e privilegiam a inserção da obra no contexto urbano, outros ainda se detêm no estudo das estruturas ...<br />
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Seria impossível arrolar toda a gama de experiências levadas a cabo a partir do uso desta ferramenta, mas deixaremos registradas duas delas: uma por mostrar o alcance pedagógico no processo de ensino e aprendizagem e, outra, por apontar diferentes caminhos no próprio uso e ocupação do solo urbano.<br />
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O primeiro exemplo trata-se de uma experiência onde os alunos da 5º fase (disciplina de projeto ministrada pelo prof. Luís Roberto M. da Silveira em 2002) desenvolveram o mock up sem mesmo Ter um programa claramente estabelecido, apenas com um tema e um estudo sucinto do sítio. Assim, foi o próprio modelo volumétrico que proporcionou a definição do programa e permitiu compreender mais a fundo o lote e o seu entorno. Há aqui uma clara inversão em relação ao procedimento usual.<br />
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Outro exemplo, ou melhor, exemplos, são os trabalhos desenvolvidos pelo mesmo professor e por nós nas disciplinas de projeto da 7º e 8º fases respectivamente, onde, escolhendo lotes no ou próximo ao centro histórico da capital (Florianópolis), os estudantes desenvolvem seus mock up de tal maneira que seja possível visualizar uma ocupação desejável para além da legislação em vigor, mas considerando sobretudo as variáveis do conforto ambiental (inclusive da vizinhança), assim como no sentido de preservar e qualificar o conjunto histórico do entorno imediato.<br />
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Por razões puramente conjunturais, isto é, embora já em fases adiantadas os alunos ainda não compreendem como se dá a articulação entre o projeto arquitetônico e os projetos complementares, nós preferimos num primeiro momento desenvolver um projeto arquitetônico exatamente nos moldes tradicionais – estudo sucinto do terreno, definição do programa, estudo de viabilidade segundo os imperativos da legislação do uso e ocupação do solo etc. – dizemos, inclusive, que se trata de um projeto para o cliente. O estudante usa as ferramentas que lhe são dadas a usar: o desenho arquitetônico. Neste projeto busca o aproveitamento máximo permitido.<br />
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Num segundo momento desenvolve a crítica ao próprio projeto. É o momento dos seminários, do debate, da construção de outros paradigmas.<br />
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O terceiro momento designamos como projeto para a cidade. Estudamos o entorno no mesmo momento que criamos estudo volumétrico do sítio. O estudante fotografa ou desenha os prédio vizinhos, a rua etc. É através do mock up começa a construir e refletir o projeto arquitetônico. Agora domina o terreno, conhece a legislação ainda que seja permitido violá-la, sabe que é preciso incluir a prevenção contra incêndio, sabe como funciona um elevador etc. Neste projeto percorre o caminho exatamente contrário ao do primeiro.<br />
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Conclusão<br />
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Esta arquitetura que surge através deste procedimento ainda não ganhou um nome, mas sabemos que não tem a presunção da Modernista, que abstraía o que lhe rodeava, fruto de um processo lógico e autoreferente, nem tem a leviandade do pós-modernismo, da sua falsa modéstia e do seu caráter profundamente reacionário. Ao contrário, do primeiro extrai a vontade de formas e de liberdade, do segundo o respeito ao histórico, ao que já está posto.</p>
Fonte:ishida@arq.ufsc.br
Publicado em:30-09-2011 12:41:09