Uma Ilha chamada Meiembipe, uma cidade chamada Florianópolis.

<p> &nbsp;</p> <div id="cke_pastebin"> <strong>Por:&nbsp;Cesar Floriano</strong></div> <p> Ao terminar de ler o livro &ldquo;Um rio chamado tempo,&nbsp;uma casa chamada terra&rdquo; do escritor mo&ccedil;ambicano&nbsp;Mia Couto, uma &nbsp;obra prima da literatura&nbsp;contempor&acirc;nea, pensei na nossa ilha querida ilha&nbsp;de Meiembipe. O livro narra a trajet&oacute;ria do jovem&nbsp;Mariano, protagonista da hist&oacute;ria, que retorna a sua&nbsp;terra natal, a ilha Luar-do-ch&atilde;o, para coordenar os&nbsp;procedimentos, comuns &agrave;s fam&iacute;lias mo&ccedil;ambicanas,&nbsp;da morte do seu avo, o velho Dito Mariano. Ao&nbsp;chegar &agrave; ilha, tomou &nbsp;conhecimento, de forma&nbsp;inusitada, dos mist&eacute;rios que rodeiam o morto, a&nbsp;fam&iacute;lia e o lugarejo de sua inf&acirc;ncia. Esta hist&oacute;ria&nbsp;que me comoveu de forma marcante, primeiro pela&nbsp;impec&aacute;vel narrativa e em segundo por suas&nbsp;met&aacute;foras, me serve de partida para refletir sobre o&nbsp;processo de ocupa&ccedil;&atilde;o e urbaniza&ccedil;&atilde;o da Ilha de&nbsp;Santa Catarina.</p> <p> Depois de anos afastado do conv&iacute;vio familiar e da&nbsp;ilha, o jovem Mariano se depara &nbsp;com a &nbsp;destrui&ccedil;&atilde;o&nbsp;do patrim&ocirc;nio cultural e a &nbsp;venda das terras&nbsp;ancestrais. A especula&ccedil;&atilde;o imobili&aacute;ria, promovida&nbsp;em nome da moderniza&ccedil;&atilde;o, do progresso e&nbsp;desenvolvimento, &nbsp;contaminam todas as rela&ccedil;&otilde;es&nbsp;sociais e os valores &nbsp;determinantes da estrutura&ccedil;&atilde;o&nbsp;simb&oacute;lica &nbsp;da &nbsp;fam&iacute;lia. Em resposta a esta situa&ccedil;&atilde;o,&nbsp;uma seq&uuml;&ecirc;ncia de mist&eacute;rios &nbsp;ronda a ilha Luar-doch&atilde;o, &nbsp;o funeral persiste em n&atilde;o se consumar, &nbsp;um&nbsp;mundo m&aacute;gico vai se configurando e um morto vivo&nbsp;busca no jovem Mariano a possibilidade de resgate&nbsp;dos valores em risco. A terra em protesto da&nbsp;destrui&ccedil;&atilde;o do esp&iacute;rito do lugar se fecha para o&nbsp;sepultamento do avo. O coveiro tenta cavar, cavar,&nbsp;mas seu gesto, para o desespero da fam&iacute;lia, &eacute; in&uacute;til,&nbsp;o ch&atilde;o havia se tornado rocha. &nbsp;A terra m&atilde;e ilha,&nbsp;lugar dos ancestrais, se negava a receber o morto,&nbsp;seu fechamento &eacute; revolta, protesto &nbsp;e uma&nbsp;condena&ccedil;&atilde;o aos vivos.</p> <p> Este conto me fez pensar na &nbsp;Ilha de Santa Catarina,&nbsp;a destrui&ccedil;&atilde;o dos lugares sagrados, &nbsp;da &nbsp;paisagem&nbsp;cultural e &nbsp;a &nbsp;venda para o setor especulativo da&nbsp;paisagem natural. A Ilha como mercadoria, &nbsp;nos &uacute;ltimas d&eacute;cadas, &nbsp;teve &nbsp;sua venda anunciada,&nbsp;travestida &nbsp;de desenvolvimento e progresso. E em&nbsp;nome de um desenvolvimento especulativo, parte&nbsp;do &nbsp; &nbsp;patrim&ocirc;nio &nbsp;foi desfigurado ou destru&iacute;do.&nbsp;Embora a m&aacute;quina especulativa &nbsp;tenha atuado de&nbsp;forma agressiva sobre o territ&oacute;rio, agenciado por&nbsp;um Plano Diretor equivocado e pernicioso, grande&nbsp;parte dos elementos da paisagem cultural da ilha se&nbsp;mant&eacute;m preservados e devem ser o objeto &nbsp;central&nbsp;de um planejamento &nbsp;sustent&aacute;vel e do &nbsp;novo Plano&nbsp;Diretor em constru&ccedil;&atilde;o.&nbsp;</p> <p> Nas ultimas d&eacute;cadas, alguns equ&iacute;vocos de&nbsp;planejamento e inser&ccedil;&otilde;es promovidas por um&nbsp;urbanismo e uma arquitetura &ldquo;tacanha&rdquo;,&nbsp;provocaram uma desfigura&ccedil;&atilde;o irrepar&aacute;vel no perfil&nbsp;da cidade hist&oacute;rica e portu&aacute;ria. &nbsp;Ter constru&iacute;do &nbsp;o&nbsp;aterro afastando a cidade hist&oacute;rica do mar foi um&nbsp;erro irrepar&aacute;vel, mas ter destru&iacute;do o parque de&nbsp;Roberto Burle Marx, como continuidade da Pra&ccedil;a&nbsp;XV foi uma ignor&acirc;ncia cultural absurda. &nbsp;A&nbsp;verticaliza&ccedil;&atilde;o e a ocupa&ccedil;&atilde;o desenfreada por todo o&nbsp;territ&oacute;rio da ilha &eacute; um desastre ecol&oacute;gico que tem&nbsp;que ser estancado imediatamente. Opera&ccedil;&atilde;o &nbsp;poss&iacute;vel, mas somente a partir de uma mudan&ccedil;a de paradigma na forma de pensar o crescimento&nbsp;urbano da cidade de Florian&oacute;polis e a ocupa&ccedil;&atilde;o do&nbsp;territ&oacute;rio da ilha. &nbsp;Faltou e falta &nbsp;para os gestores a&nbsp;compreens&atilde;o de conceito de &ldquo;insularidade&rdquo;. Isto &eacute;,&nbsp;compreender a configura&ccedil;&atilde;o &nbsp;lha como car&aacute;ter do&nbsp;lugar, marcada por um territ&oacute;rio finito delimitado&nbsp;pelo mar. &nbsp;Compreender que &eacute; a condi&ccedil;&atilde;o de ilha&nbsp;que nos diferencia das demais cidades e determina&nbsp;nossa condi&ccedil;&atilde;o hist&oacute;rica. Pensar uma cidade dentro&nbsp;desta paisagem ilha &eacute; pensar uma cidade ilha. A Ilha&nbsp;de Santa Catarina, em praticamente na sua&nbsp;totalidade, &eacute; uma paisagem cultural que deve ser&nbsp;gerenciada por instrumentos avan&ccedil;ados de&nbsp;urbanismo sustent&aacute;vel, um modelo que permita a&nbsp;ativa&ccedil;&atilde;o econ&ocirc;mica sem criar desfigura&ccedil;&atilde;o da&nbsp;cultura. &nbsp;Neste sentido, a cidade de Florian&oacute;polis&nbsp;n&atilde;o pode ser pensada como uma grande cidade&nbsp;capital a partir da ilha, ela tem que surgir no&nbsp;continente, &eacute; na sua parte continental que ela pode&nbsp;se afirmar como metr&oacute;pole. Temos que pensar em&nbsp;uma cidade dividida, m&uacute;ltipla, polinucleada. A&nbsp;cidade continental dever&aacute; ser a grande prestadora&nbsp;de servi&ccedil;os, p&oacute;lo de desenvolvimento regional e&nbsp;pe&ccedil;a indutora do crescimento metropolitano. N&atilde;o&nbsp;precisa ter grandes conhecimentos em urbanismo nem bola de cristal para antever esta realidade,&nbsp;Palho&ccedil;a, S&atilde;o Jos&eacute;, Bigua&ccedil;u e Tijucas ir&atilde;o compor um&nbsp;grande corredor metropolitano. &Eacute; urgente preparar&nbsp;o continente para esta realidade, criar infraestrutura para agenciar todo o crescimento que ir&aacute;&nbsp;explodir nos pr&oacute;ximos 30 anos nestas cidades.&nbsp;Transferir o aeroporto para Tijuquinhas, levar parte&nbsp;da &nbsp;maquia do estado e rodovi&aacute;ria, &nbsp;para o&nbsp;continente seriam algumas atitudes indutoras deste&nbsp;processo.</p> <p> Para pensar &nbsp;a cidade ilha &eacute; preciso construir um&nbsp;plano diretor de paisagem, uma lei de paisagem&nbsp;rigorosa, que iniba as grandes obras de impacto.&nbsp;Uma lei de paisagem que preserve as visuais, os&nbsp;espa&ccedil;os perspectivos, os cones visuais, vias&nbsp;panor&acirc;micas, &nbsp;lugares de mem&oacute;ria, &nbsp;bordas &nbsp;d&rsquo;&aacute;gua,&nbsp;trilhas, mirantes e as plan&iacute;cies. Na ilha a altura&nbsp;m&aacute;xima n&atilde;o deveria passar de 4 pavimento e o&nbsp;modelo do urbanismo baseado em lote residencial&nbsp;deveria ser evitado. Esta forma de ocupa&ccedil;&atilde;o &eacute;&nbsp;predadora para o desenho de paisagem, al&eacute;m de&nbsp;criar ruas sem defini&ccedil;&otilde;es de espa&ccedil;os p&uacute;blicos,&nbsp;servi&ccedil;os, unidades de vizinhan&ccedil;a, alimenta a cultura&nbsp;dos puxadinhos e m&aacute;xima ocupa&ccedil;&atilde;o do territ&oacute;rio. O modelo residencial proposto por parte do&nbsp;movimento social vai contra a id&eacute;ia de&nbsp;sustentabilidade urbana.&nbsp;</p> <p> A perspectiva de desenvolvimento para &nbsp;a ilha est&aacute;&nbsp;em potencializar sua estrutura paisag&iacute;stica, criar&nbsp;uma s&eacute;rie de eventos que dinamizem as bordas&nbsp;d&aacute;gua em todos os seus n&iacute;veis, gerando espa&ccedil;os&nbsp;p&uacute;blicos de laser, parques e dinamiza&ccedil;&atilde;o cultural.&nbsp;Ativar percursos paisag&iacute;sticos em diferentes escalas,&nbsp;trilhas, telef&eacute;ricos, mirantes. Ativar o centro&nbsp;hist&oacute;rico como um corredor cultural, criando leis de&nbsp;incentivo para funcionamento de cinemas,&nbsp;restaurantes, clubes, albergues, livrarias e todos os&nbsp;servi&ccedil;os que dinamizem o setor 24 horas, o centro&nbsp;da cidade tem que ter vida noturna e para isto &eacute;&nbsp;preciso uma atitude pol&iacute;tica. A cidade ilha para ser&nbsp;vi&aacute;vel e apraz&iacute;vel tem que levar em &nbsp;considera&ccedil;&atilde;o&nbsp;seu limite de escala. Estamos no momento cr&iacute;tico,&nbsp;n&atilde;o podemos mais errar.&nbsp;</p> <p> Voltando ao texto de Mia Couto, fico pensando no&nbsp;fant&aacute;stico que seria, se a terra m&atilde;e &nbsp;meiembipe,&nbsp;em &nbsp;rocha impenetr&aacute;vel se transformasse,&nbsp;impedindo &nbsp;novas &nbsp;estacas para constru&ccedil;&otilde;es,&nbsp;sinalizando em revolta que &eacute; preciso pensar a terra como suporte da vida e a paisagem cultural como&nbsp;condi&ccedil;&atilde;o e princ&iacute;pio de ocupa&ccedil;&atilde;o do territ&oacute;rio ilha&nbsp;de Santa Catarina.</p> <p style="text-align: right; "> <strong>Rio de Janeiro, primavera de 2011</strong></p>
Fonte:cesar.floriano@arq.ufsc.br Publicado em:17-11-2011 12:03:51